Eram duas horas da manhã do dia 25 de março de 2022, em meio a uma simulação de assalto a banco no município de Arapiraca, com a participação de mais de 200 agentes da segurança pública de Alagoas, quando um revelador de vestígios de crime desenvolvido na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) foi usado pela primeira vez fora do laboratório e mostrou que funciona.

Na simulação com explosivos instalados em uma agência bancária, e desativados por militares especializados do Batalhão de Operações Policiais Especiais, o perito criminal Gerard Deokaran apostou em um invento que começou a ser pesquisado em 2019 dentro do Laboratório de Eletroquímica, Polímeros e Ciências Forenses (Lepfor), da Ufal.

Junto a pesquisadores e estudiosos empenhados há décadas em criar alternativas a problemas do cotidiano através da ciência, como a professora doutora em Química Adriana Ribeiro, coordenadora do Lepfor e do Programa de Pós-graduação em Materiais, o perito e a química Anna Paula Santos desenvolveram uma manta polimérica fluorescente capaz de detectar explosivos quando expostos à luz ultravioleta.

Às duas da manhã, Deokaran, à época aluno de mestrado, mandou uma mensagem à orientadora, Adriana, em que comemorava o primeiro resultado positivo do experimento em local que não era controlado, como um laboratório; era um ambiente comum, cheio de interferências, uma simulação onde todos os passos de um crime foram reproduzidos pelos atores presentes.

“Eu lembro que ele me mandou mensagem feliz da vida. E o que aconteceu foi o seguinte: eles simularam uma tentativa de explodir o caixa eletrônico. Aí o Gerard pegou o material, o pedacinho de polímero, foi lá e esfregou em algum local que tinha resíduo de explosivo, e ele observou que perdia a fluorescência, ou seja, que havia presença do TNT (o explosivo trinitrotolueno). Esse material ainda não está sendo usado na rotina da perícia, mas foi testado na simulação e funciona”, narra a professora Adriana.

Manta polimérica aumenta segurança e precisão na detecção de explosivos

O “pedacinho de polímero” ou “manta polimérica”, desenvolvido dentro da Ufal e que virou um potente revelador de vestígio, a olho nu e ao toque das mãos, lembra uma fita veda rosca. Ela é formada por “fios” de polímeros, que se unem em uma “teia” e se tornam uma espécie de esponja capaz de absorver o material explosivo. E se à manta for incorporado um outro composto capaz de mudar de cor ou apresentar fluorescência após o contato com o material analisado, está criado o revelador.

“A gente usa uma técnica chamada eletrofiação. Você vai colocar um campo de alta tensão de 17 mil volts no material, que está na forma líquida. Quando você aplica esse campo, ele começa a formar uns fios bem pequenos, que chamamos de nanofibras, porque não dá para ver a olho nu, estão na ordem de nanômetros. Com o tempo, vão se formando ali pequenos fiozinhos. Parece um algodão bem fininho”, descreve o perito Gerard Deokaran, ao explicar a formação da manta.

O material é de um tom de rosa claro e, após o contato com o explosivo, interage com o fluoróforo (molécula que emite luminosidade) incorporado ao polímero e escurece sob a luz ultravioleta. A técnica é chamada de extinção de fluorescência e é pouco usual na detecção de explosivos, até o momento.

A descoberta é o resultado do encontro da química dos polímeros com a dos explosivos, que ocorreu na Ufal, e, além de inovadora, está a caminho de ser patenteada. Ela poderá ser alternativa a métodos tradicionais que apresentam altos riscos aos profissionais que precisam lidar com o material. Um deles é o espectrômetro, um equipamento que emite laser para detectar a presença de determinadas substâncias em um local, mas tem o perigoso potencial de iniciar o explosivo. 

O outro método, e mais comum, é o cão farejador. O animal tem alta sensibilidade e consegue detectar nanogramas de explosivos, ou seja, uma quantidade equivalente a um grama dividido por um bilhão. Mas as limitações e riscos também são altas: acidente, dificuldade de locomoção para longas distâncias, sede, cansaço, fadiga e outros tantos. Daí a necessidade de se criar novas técnicas.

“O trabalho com explosivos é um trabalho muito complexo e muito perigoso. Esse polímero a gente consegue empregar em robôs ou braço robótico, que são equipamentos que você opera à distância. Você vai remover o explosivo, ou vai neutralizá-lo, tudo isso à distância”, destaca. 

A manta ainda permite outras possibilidades para a investigação criminal, como o exame de resíduos nas mãos da pessoa suspeita de ter manipulado o explosivo, algo semelhante com o que é feito após o disparo de uma arma de fogo. Também será possível examinar objetos que o suspeito tenha manipulado com as mãos, como um revólver, uma pistola ou um fuzil, e um cartucho de munição.

O revelador poderá confirmar tanto a presença de explosivos de alta potência como a do estifnato de chumbo, presente em munições. “Conseguindo aperfeiçoar, a gente consegue fazer tudo isso. Mesmo que a pessoa lave as mãos, ainda assim detecta, porque fizemos os testes de sensibilidade e conseguimos ver que até na razão de picogramas ele conseguiu detectar. Picogramas é como dividir um grama por um trilhão”, explica Gerard.

E o método dará mais precisão à forma de coleta de material para análise em laboratório. Hoje, é coletada uma grande quantidade de vestígios, que nem sempre têm resíduos de explosão e demandam maior tempo de análise. A precisão da manta vai dar agilidade a todo o processo pericial.

Criação alagoana recebeu reconhecimento internacional por inovação e aplicabilidade

No ano de 2015, o estado de Alagoas viveu uma onda de ataques a bancos que levou à destruição de 14 agências por meio da detonação de explosivos. O “novo Cangaço”, como foi chamado, mobilizou a Segurança Pública e até hoje repercute nas ações de treinamento e prevenção das polícias, perícia, Corpo de Bombeiros e outros órgãos do setor.

Foi nesse ano que o perito Gerard Deokaran passou a ser constantemente demandado para trabalhar nos locais de explosão. A relação dele com a área se estreitou e, em 2019, passou a ser de estudos depois do despertar para a pesquisa científica ao entrar para o mestrado na Ufal.

Orientado pela professora Adriana Ribeiro e com apoio da colega Anna Paula Santos, ele desenvolveu a manta polimérica para detecção de explosivos, e o uso da metodologia em um local simulado de crime confirmou a aplicabilidade da pesquisa realizada em Alagoas. No País, ainda não existe nenhum método oficial para detectar explosivos que utilize polímeros e que tenha resultados tão precisos e delimitados como os sensores criados no Lepfor.

A inovação e a aplicabilidade motivaram o reconhecimento nacional e internacional da manta polimérica, que teve artigo publicado na Forensic Science International, a revista de maior excelência internacional na área de química forense. Foi a primeira vez em que a Polícia Científica de Alagoas foi citada em uma publicação dessa importância.

No Brasil, o resultado do trabalho realizado com a manta na simulação de assalto a banco em 2022 foi selecionado entre as melhores apresentações do Seminário Nacional de Perícias Forenses, em agosto deste ano.

“Depois que a gente testou em 2022, nas simulações, a gente viu que já tinha viabilidade e que consegue aperfeiçoar essa técnica. A ideia é ampliar e pegar uma gama maior de explosivos. Esse é agora o maior desafio do doutorado, e o que me motivou a fazer o doutorado. Quero que a gente consiga aumentar o raio de detecção e desenvolva um produto que chegue realmente ao mercado, que seja mais vantajoso em relação ao que se tem hoje. É uma técnica muito promissora”, vislumbra Deokaran.

A invenção tem colaborações importantes que viabilizaram os resultados. Estão envolvidos também o perito criminal federal e professor da Ufal, Alexandro Mangueira Lima de Assis, o professor Severino Júnior, da Universidade Federal de Pernambuco, referência na área de fluorescência no Brasil e no mundo, o professor William Reis de Araújo da Universidade Estadual de Campinas, especializado em métodos portáteis de detecção, o setor de papiloscopia da Polícia Científica e o Bope de Alagoas.

A pesquisa está a alguns passos de ser registrada no Núcleo de Inovação Tecnológica da Ufal, para proteger os direitos de quem criou a invenção. E a partir daí, os resultados serão publicados e ofertados no mercado para que empresas interessadas passem a produzir a manta polimérica alagoana e a vendê-la a institutos de perícia de todo o Brasil e até do mundo.

Impressão digital em metal: pesquisa rompe barreira e apresenta resultados positivos

Voltando no tempo da história do Laboratório de Eletroquímica, Polímeros e Ciências Forenses (Lepfor) da Ufal, que se confunde com a própria história da professora e coordenadora Adriana Ribeiro, o caminho percorrido pela pesquisa começou a ser trilhado em 2013, quando ela realizou um estágio de pós-doutorado no Departamento de Química da Universidade de Loughborough, na Inglaterra.

A professora trabalhava na área de preparação de equipamentos que mudam de cor como, por exemplo, vidros de janela que podem ser escurecidos com um controle remoto. Isso é possível por meio do eletrocromismo, ou seja, a mudança reversível de propriedades de um material a partir de um estímulo elétrico.

No ano de 2014, o encontro com as ciências forenses, na Inglaterra, já havia indicado um caminho a ser seguido por ela como pesquisadora. Em uma apresentação do professor Robert Hillman, da Universidade de Leicester, durante um congresso de eletroquímica, Adriana descobriu a possibilidade de usar seus conhecimentos para revelar com boa qualidade impressões digitais deixadas em metal, superfície na qual as técnicas usuais ainda apresentam limitações.

Hillman deu o pontapé inicial para a pesquisa que começou na Inglaterra, mas rendeu frutos na capital do segundo menor estado brasileiro e tem surpreendido especialistas em todo o mundo. O processo que ele apresentou era o seguinte: toda superfície metálica transfere eletricidade. Mas se uma impressão digital é deixada no metal, ela impede, com a gordura transferida pelos poros da nossa pele, que a eletricidade passe por aquela área “manchada”.

Surgiu então a ideia de depositar um material condutor de eletricidade – o polímero – na superfície metálica onde alguém tocou com os dedos, e aplicar ali uma tensão elétrica. A gordura presente nas linhas formadas pelas papilas do dedo não permitiria a passagem de eletricidade, então a impressão digital ficaria aparente em um processo chamado de revelação em negativo.

Diferente da manta para detecção de explosivos, o processo agora é com uma solução aquosa contendo um tipo de monômero e submetida a uma pequena tensão elétrica, como a de uma pilha, para que os monômeros formem o polímero revelador. Depois desse processo, o material é depositado na superfície do metal a ser analisado e faz a revelação.

“A pesquisa surge para que a gente consiga enfrentar as dificuldades e produzir uma prova inequívoca”

“O professor Hillman conseguiu revelar com boa qualidade a impressão digital em superfícies metálicas, como a da faca. Então plantou a semente para eu me interessar em trabalhar nessa linha. E o grupo de pesquisa começou uma colaboração que dura até hoje. Em 2015, quando eu voltei para Maceió, convidei o perito criminal federal Alexandro de Assis e ele, desde o início do doutorado, em 2016, trouxe o conhecimento da perícia para o nosso laboratório”, conta a professora Adriana.

Com a participação do perito e das alunas de doutorado Wanessa Gomes, Rosanny Christhinny, e de graduação Lillia Gama e Cristiane Vieira, a professora começou a trabalhar na adequação e otimização dos processos e dos polímeros, definindo os melhores tipos e concentrações da substância. Os pesquisadores iniciaram os testes em pequenas placas de aço, retas e lisas, o que facilita a revelação.

O primeiro resultado animador veio em 2016 e dava a chance ao Brasil de desbravar um território aonde nem o professor Hillman havia chegado na Inglaterra, em 2010, nem o pesquisador Claudio Bersellini, na Itália, em 2001. Seria possível a partir daquele momento investir na revelação de impressões digitais envelhecidas ou prejudicadas por condições da cena de crime que impedem o resultado ou tornam os métodos convencionais menos eficientes.

“A pesquisa surge no sentido de a gente conseguir enfrentar essas dificuldades e produzir, ao final, uma prova técnica com uma qualidade melhor, para que a gente consiga interpretar melhor a impressão e consiga identificar inequivocamente um suspeito de cometer um crime”, detalha o perito Alexandro de Assis.

A impressão digital é um dos métodos de identificação pessoal mais confiáveis no mundo. Mas é um vestígio crítico, comumente perdido com o tempo, a umidade e outros fatores, e também de difícil visualização. O perito explica que a revelação exige tratamentos químicos ou físicos que podem até mesmo ocasionar a perda do vestígio.

Além disso, os reveladores usuais apresentam problemas como a baixa adesão a impressões antigas, risco de contaminação cruzada e toxicidade. “O revelador em pó pode gerar a contaminação cruzada, ou seja, se eu quero extrair o DNA de uma impressão digital que foi revelada com pó, e esse pó passou por outros locais, não tenho mais a confiabilidade necessária para o exame. Outra situação é, se a impressão foi encontrada em uma superfície molhada, se você for colocar o pó ali, vai virar uma gororoba. E o outro revelador disponível no mercado, o cianoacrilato, é tóxico”, detalhou a professora Adriana.

Desafio a caminho de ser superado é revelar digitais em estojos de munição usados

A busca por um método mais eficaz, barato e não tóxico, objetivo perseguido não só pela Ufal, mas também pelos órgãos federal e estadual de perícia de Alagoas, estimularam a criação de parcerias que levaram ao aprimoramento das descobertas.

Uma das dificuldades a serem superadas era a da revelação da impressão digital em superfícies metálicas irregulares, como é o caso de um revólver, por exemplo. A outra e mais desafiadora é quando se tratam de estojos de munição usados, ou seja, após o disparo da arma de fogo.

O perito criminal Ivan Excalibur, da Polícia Científica de Alagoas, convidado a contribuir com a pesquisa por atuar na área de revelação e confronto papiloscópico, detalha por que é tão difícil fazer revelação em estojos. Ele explica que as munições deflagradas são superaquecidas, o que faz com que os vestígios da digital sejam queimados e perdidos.

“Temos nos dedos os óleos das glândulas sebáceas que aderem ao objeto tocado e modelam a nossa digital. Quando a munição é deflagrada, ela é superaquecida na arma e o calor queima isso. O pó revelador adere à umidade da digital, portanto, nessas situações ele não vai aderir da maneira devida. Nem o cianoacrilato consegue uma boa adesão”, diz.

Os polímeros surgem nesse contexto como uma possibilidade inédita de resolução de um problema existente no mundo inteiro e registrado em artigos científicos na área forense. O mistério despertou a curiosidade e interesse da doutoranda Cristiane Vieira, orientanda da professora Adriana Ribeiro e integrante do Lepfor.

Ela começou a examinar estojos de munição em 2016. O material não é de local de crime, mas simula condições reais para fins de pesquisa científica. A pesquisadora limpa o objeto e “planta” uma digital nele para que seja revelada. A limpeza é necessária porque, nos primeiros testes, todos os fatores que serão medidos e analisados devem ser controlados para se ter resultados precisos.

“Na pesquisa científica, a gente tem que ir passo por passo. Eu não posso chegar e já fazer o exame completo, porque no local de crime existem muitas variáveis. Como é que eu vou chegar com uma metodologia que hoje eu fiz nessa situação, ontem eu fiz naquela outra situação? Então eu não teria uma metodologia, eu não poderia provar que funciona. Na ciência, tem que repetir e repetir”, pondera Cristiane.

De variável em variável, a pesquisa avançou. Conseguiu revelar digitais no material dos estojos, que por si só é problemático por ser uma liga metálica de cobre e zinco facilmente oxidável. E atualmente o laboratório recebe estojos usados nas simulações de crimes coletados pela Polícia Científica de Alagoas e já obteve a primeira revelação.

Com ajuda do perito Ivan Excalibur, a imagem foi inserida no sistema Solução Automatizada de Identificação Biométrica (ABIS), onde milhões de digitais foram cadastradas em todo o Brasil, mas ainda não apresentou um resultado. No entanto, se a qualidade das revelações com polímero for mantida, já será  possível fazer a comparação “um para um” e eliminar um suspeito da investigação criminal.

“Se nós tivéssemos um confronto de um para um, que é quando você tem um suspeito e quer confrontar com um material encontrado no local de crime, nós conseguiríamos trabalhar, principalmente para exclusão. Às vezes a gente não tem caracteres suficientes para fazer a identificação, mas tão importante quanto você acusar alguém, é inocentar alguém. O desenho da digital obtido pelo revelador da Ufal está muito bem formado, então se for apresentado algum suspeito, nós conseguimos dizer, pelo menos, que aquele não é o autor do crime”, destaca Excalibur.

“Para você ter ideia, quando eu conheci o Ivan, o perito Gerard (Deokaran) nos apresentou e disse que eu trabalhava com revelação de impressão digital em estojo de munição. O Ivan olhou para mim e disse ‘isso é impossível’. Aí eu mostrei a foto a ele, e ele riu. Eu acredito que ainda não tenho noção da consequência que isso vai ter. Só enxergo o quanto essa descoberta é importante nos congressos quando recebo o feedback da comunidade forense”, lembra animada a pesquisadora Cristiane.

A orientadora da pesquisa, Adriana Ribeiro, ressalta que ainda é preciso otimizar os resultados, melhorar o tempo de deposição do material na superfície analisada e aprimorar todo o processo. Os obstáculos maiores irão surgir quando a pesquisa partir para a “vida real”, como ela destaca.

“Cada superfície vai estar de um jeito, às vezes você vê impressão digital, às vezes você não vê, às vezes você vê um fragmento, às vezes você não vê. Mas o que temos hoje pode pode dar uma ajuda muito grande em casos que estão sem solução”, diz.

O perito Alexandro de Assis destaca que existem mais de 10 artigos publicados sobre as pesquisas, um deles em um dos principais veículos de divulgação de ciências forenses do mundo, que é a revista Forensic Science International. Ele não tem dúvidas de que existe uma corrida de pesquisadores no mundo inteiro para replicar o que a Ufal realizou.

Por isso a importância do passo a passo para a validação do método. É necessário que ele seja repetido inúmeras vezes até apresentar boas imagens em uma amostragem relevante, e que seja difundido entre os institutos de perícia. A professora Adriana acredita que os avanços vão ocorrer nos próximos dois ou três anos.

Solução alagoana apresenta baixo custo, não é tóxica e pode ter versão portátil

Criatividade, adaptação e resultados surpreendentes

Enquanto passa pelos processos de comprovação, a revelação de impressões digitais desenvolvida pela Ufal já se apresenta como uma opção de baixo custo, não tóxica e que pode ser usada em uma versão portátil.

O revelador se utiliza de água em vez de solventes tóxicos e pode ser levado para a cena de crime em uma ampola pequena, sem maiores riscos para a segurança, onde será trabalhado com ajuda de um kit portátil, que está sendo elaborado pelos pesquisadores. Além disso, é uma alternativa barata diante dos equipamentos disponíveis atualmente.

O perito criminal federal Alexandro de Assis adquiriu para o estudo dele 100 mililitros do monômero a partir do qual sintetizou o polímero revelador. O custo do material não chegou a R$ 500. Se, para cada revelação foi necessária uma quantidade menor do que 20 microlitros, isso significa que pelo valor aproximado de R$ 500 é possível fazer cinco mil revelações.

“É importante destacar essa vantagem porque a gente desenvolve pesquisa em um país de economia emergente. A gente realmente não tem disponíveis os recursos que outros países de primeiro mundo têm. Então a criatividade aqui é o que chama a atenção. A gente consegue resultados muito bons com equipamentos adaptados, acessórios, muitas vezes desenvolvidos por nós mesmos. E consegue, por exemplo, despertar a atenção da indústria para comprar essas ideias”, pondera Assis.

Outra vantagem é o ótimo contraste da imagem obtida, por meio do uso de polímeros de cores diversas ou até com características fluorescentes e ainda através da variação da tensão elétrica aplicada.

As técnicas do Lepfor permitem aumentar ou diminuir o contraste e também medi-lo, o que é importante na divulgação dos resultados. Diferentemente, o revelador em pó utilizado atualmente nas perícias exige que a escolha das cores seja feita apenas uma vez, com antecipação, e nem sempre dará a melhor imagem e o melhor contraste.

Ele também não permite trabalhar com objetos molhados, enquanto o polímero é sintetizado em cima do vestígio diretamente em um meio aquoso, e o resultado terá a mesma qualidade de um vestígio encontrado seco.

A revelação por eletrodeposição com polímeros está a caminho da última etapa, que é o uso em casos reais, ou seja, depende agora de ser difundida entre os institutos de perícia de todo o Brasil para ampliar a amostragem e ser validada como metodologia padrão.

Atualmente, a Ufal possui parceria com a Polícia Federal e com a Polícia Científica estadual. A Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas, a Fapeal, também colabora com o financiamento, por meio de dois projetos da professora Adriana Ribeiro que foram aprovados e receberam um total de R$ 54 mil. E no mês de setembro, os pesquisadores alagoanos também tiveram a oportunidade de compartilhar conhecimento durante o Seminário Nacional de Perícias Criminais, em Maceió, que contou com a presença de peritos de todo o Brasil.

A expectativa é que a metodologia alagoana já comece a ser usada em breve pelos institutos de perícia até chegar a ser oficializada nos documentos e na literatura que definem os padrões periciais a serem seguidos.

“A gente precisa agora espalhar, porque está nascendo aqui, mas não adianta só desvendar o método. O juiz lá de Brasília, lá de São Paulo precisa conhecer. A gente tem que ter essa proteção jurídica para que essa metodologia seja válida como prova. Mas isso tudo começou aqui, sim, nesse laboratório. Começou nessa conversa que eu tive lá na Inglaterra, em 2014, e trouxe para cá. E continuo colaborando com o professor Robert Hillman, com trabalhos belíssimos”, afirma Adriana.

“Trecos que funcionam”: contribuição para a sociedade estimula pesquisadores

A série de televisão e sucesso americano “CSI: Investigação Criminal” popularizou o trabalho da perícia e apresentou ao mundo métodos periciais capazes de desvendar crimes quase perfeitos. Quem trabalha com a perícia no dia a dia sabe que muitas das técnicas utilizadas na ficção nem existiam ou que os resultados obtidos eram impossíveis na vida real.

Mas 23 anos depois, as barreiras do impossível estão sendo rompidas para melhorar a investigação policial e dar respostas a casos considerados sem solução. Uma das luzes apresentadas pela ciência desenvolvida dentro da Universidade Federal de Alagoas é a ampliação da gama de objetos e situações em que uma impressão digital poderá ser identificada.

Atualmente, os pedidos de perícia em armas, cartuchos e estojos de munição que chegam à Polícia Científica de Alagoas, com intuito de revelar digitais, ainda são poucos. Até o mês de agosto de 2023, o setor de Microvestígios recebeu solicitações para analisar quatro revólveres e dois estojos, que são a munição após o disparo. Com a entrada do método de revelação por eletrodeposição no mercado, os números devem explodir.

Para a professora Adriana Ribeiro, que conduz as pesquisas como orientadora, no Lepfor, da Ufal, é gratificante fazer inventos que contribuam com a sociedade. Ela lembra que desde o doutorado, quando apresentou janelas eletrocrômicas, que mudam de cor, e demonstrou sua utilização e funcionamento à banca julgadora, ela leva para si uma recomendação do orientador: “faça trecos que funcionem”.

“Me deixa muito feliz saber que o nosso invento tem uma aplicabilidade para a sociedade, para a melhoria de um processo de maneira geral. E eu não faço tudo isso sozinha, eu tenho colaboração com a Física, com a Perícia, com a Farmácia, com a Inglaterra, agora com a Índia. É uma junção de conhecimento, que nos dá essa gama de possibilidades de fazer pesquisas legais e construtivas”, destaca.

A pesquisa ajuda também a construir pontes, antes inexistentes, entre instituições que precisam cooperar entre si para avançar. O perito criminal federal Alexandro de Assis enxerga que, ao contrário de anos atrás, quando havia resistência à cooperação entre a segurança pública e a universidade, hoje existe o oposto: um fluxo de conhecimento entre peritos e outros profissionais de segurança e pesquisadores da academia.

“Os ganhos são multilaterais. O perito é um profissional muito inquieto, porque ele é um cientista que trabalha dentro da segurança pública. A gente sempre quer melhorar, aprimorar. E a academia, as universidades, os centros de pesquisa, eles são ávidos por problemas. Então essa combinação é a combinação perfeita. E a sociedade é quem ganha com tudo isso, porque a gente tem uma segurança pública trabalhando melhor, com eficiência, produzindo uma prova pericial muito mais robusta”, opina o perito.

Na Polícia Científica de Alagoas, os peritos avaliam que não há o devido estímulo à pesquisa, mas por conta própria os profissionais têm buscado se aprofundar nas soluções de casos mais complexos. O perito Gerard Deokaran é um desses entusiastas da pesquisa e estimula os colegas a seguirem o mesmo caminho. Aos poucos, a conexão do órgão com a academia vai ganhando novos elos.

“Eu buscava explicar aos colegas o que eu estava fazendo e muitas vezes ouvia ‘ah, eu não consigo parar minha rotina aqui de trabalho para atender sua pesquisa’. Mas fui na insistência. Como a gente tem agora um órgão com o nome Polícia Científica, a gente tem que ter ciência aplicada, e a gente tem muito campo na pesquisa, casos em que gostaria de se aprofundar e que vê que é um caso em que você pode inovar”, defende.

Atualmente, ele acredita que o Estado já enxerga a importância de desenvolver estudos nas áreas periciais e dos demais órgãos de segurança, e que esse olhar tem gerado ganhos para os profissionais, que aprimoram a metodologia de trabalho, e para a população, que consegue ver os crimes serem investigados, julgados e punidos, e podem vislumbrar a redução da violência e da condenação de pessoas inocentes.

Publicado em 08/11/2023

Projeto Gráfico: Daniel Porciúncula